domingo, 11 de fevereiro de 2024

 


SOBRE MEDO

Há um lugar na minha varanda onde me sento pelas manhãs, com sol ou com chuva. Dali contemplo o céu, os desenhos que as nuvens fazem, vejo e escuto passarinhos em plena atividade, admiro os múltiplos tons de verde das árvores e as flores coloridas, e ali atrás, admiro uma montanha. Ao me conectar dessa maneira com a beleza, peço que essa harmonia traga as respostas que meu coração quer para o dia que se inicia e as intuições que o vento leva e traz, entre um ou outro gole do meu café. Faço reflexões, descobertas, planos, às vezes escrevendo, e às vezes apenas pensando, e me permito reconhecer como tudo está interligado.

E foi assim que um dia, uma gatinha, adotada por algum vizinho, veio me visitar. Pequena, um filhote, que achei ser fêmea, mas nunca confirmei e assim ficou sendo. Branquinha, com manchas em tons castanhos, coleirinha no pescoço com um coração, começou a se enroscar em mim, percorreu a varanda, pedindo para receber carinho. Destemida, mostrava como dar saltos no telhado pulando para outras varandas e depois voltando. Não tenho muita intimidade com gatos, mas ela me chamou a atenção, me fazendo rir, passeando pelas casas ao lado. Numa dessas casas, um cachorro enorme estava deitado tomando sol. Ele a viu, e ameaçador, começou a latir sem parar, pulando, mas a gatinha foi até lá e encarou o cão. Sim, colocou a carinha bem pertinho de sua boca, apenas observando a cena, sem medo. Parecia não entender o porquê daquele barulho todo, talvez sentindo-se protegida pela grade que o mantinha na varanda. E não é que o cachorro desistiu de latir? Simplesmente parou, sem saber o que fazer, e entrou na casa dele. E ela se foi, alegremente, continuando a pular de varanda em varanda, dando uma aula de agilidade, flexibilidade e coragem.
Qual final Esopo colocaria nesse encontro se estivesse ali, com suas fábulas? E nas contadas deliciosamente por Monteiro Lobato, o que diria a turma do Sítio do Picapau Amarelo? Sim, a riqueza das fábulas nos proporciona um alimento para a alma, e os animais nos ensinam lições sobre a vida, nos fazem refletir. Será que a confiança dessa gatinha passa por algum instinto que lhe sopra sobre perigos reais? Ou sobre o cachorro ser pesado e não conseguir pular a grade da varanda e pegá-la, logo ela, uma especialista em saltos no telhado? Ou quem sabe ela conhecia o velho ditado: “cão que ladra não morde!”?
Suas visitas continuaram a acontecer, e num momento em que a porta da minha varanda estava aberta, ela entrou em casa sem qualquer cerimônia. Mas, dessa vez, havia o meu cachorro, enorme, ali, e por pouco ela não se deu mal. Correu assustada e se safou. Empolgada com a exploração do mundo, filhotes são assim. Mas, talvez o excesso de confiança a tenha impedido de avaliar onde estava se metendo. Será? A gatinha não desistiu. Talvez tenha aprendido mais sobre sua necessidade de defesa, vai saber. Só sei que ela voltou no dia seguinte, e no outro, e hoje, e sempre volta.
Ah, a aprendizagem dessa vida prossegue, não termina nunca. A quantas desistências o medo já nos levou, justificadas por algumas situações que nossas fantasias catastróficas pintaram? E em quantas outras vezes nos safamos, porque a intuição gritou na hora certa “Sai daí!”? Mesmo sendo ágeis e flexíveis precisamos ser especialistas também em avaliar as possibilidades de enfrentamentos, superações, fugas, afastamentos, desapegos; e se o bem mais precioso que temos é o nosso tempo, sejamos bons em abrir os olhos, observando as pequenas coisas dessa vida para torná-las grandes, ou ao contrário. Se nos conectarmos com a sua sabedoria, perceberemos que mesmo parecendo que o mundo está parado e nada acontece, isso não é verdade.
Rutty Steinberg

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