quarta-feira, 20 de abril de 2016

Lembrando...

Deitada no meu cantinho favorito, vejo  a louça empilhada na pia, a indolência me pede um tempo e penso: Ah, agora não! Olho para o quadro pendurado na parede: um caminho de terra, flores de um lado e uma árvore do outro, assinado por Benedito Calixto, pintor, professor, historiador e fotógrafo paulista, falecido em 1927. A memória me leva para o dia em que Day, querida amiga, o trouxe de presente. Estava ela de mudança, e não poderia carregá-lo consigo. Pensou em mim, e enquanto me entregava um embrulho todo protegido por papéis, ia explicando o seu mistério.

Há quase dez anos atrás, num encontro mediúnico, esse quadro tinha sido pintado por um amigo. Enquanto Day ia esfregando a tinta em seus dedos, contava que  ele ainda não havia secado. Minha expressão a fez rir, me lançando um olhar típico dos que não se surpreendem com os mistérios dessa vida. Estava com pressa, mas ainda me disse que se um dia eu percebesse a tinta seca, deveria passá-lo para outra pessoa. Era o sinal de que seu objetivo, de proteção, estava  cumprido. Agradeci , surpresa, e desembrulhei o pacote meio manchado ainda, pendurando-o na sala, disposta a ser abençoada.

Levei esse quadro comigo por onde andei durante esses anos, sempre conferindo se a tinta havia secado. Muitos amigos se surpreenderam com meu relato, confessando seu desejo de tê-lo, pois ele parecia acender uma chama de esperança , não sabiam explicar. Ainda mancho meus dedos quando toco nas maçãs da árvore, e ao escrever estas palavras, imagino  que as retirei do tal caminho de terra, sentindo a sua paz, a de quem não precisa convencer  ninguém de nada. Com uma espécie de sorriso por dentro, levanto calmamente e me dirijo à pia para lavar minha louça. Ah, agora sim!

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Lembrança inesquecível


Uma grande experiência  aconteceu em minha vida quando saí do Rio de Janeiro  para morar no interior de Minas Gerais. Inaugurei um outro estilo de vida, começando por largar um apartamento e residindo numa casa, em contato com a terra, animais e ar puro. E claro, nesse novo espaço, com outra cultura, os  desafios na área profissional.

Conhecendo pessoas daquele lugar , me relacionando, acabei sendo indicada, como psicóloga, para criar um projeto de terceira idade no lugar de outra profissional que havia desistido dessa função.  E lá fui eu para uma entrevista, voltando para casa com enorme material para estudar e me atualizar sobre aquela demanda. As expectativas eram confusas e a ansiedade  de não dar conta me dominava, uma vez que não havia nenhum integrante ainda no grupo de convivência que deveria formar. Mas, há uma força estranha que nos orienta em momentos como esse, e eis que me vi falando em rádios, em palanques, dando entrevistas e escrevendo matéria
s para os jornais locais. Os interessados não paravam de chegar, e voluntários também.

Ao aplicar dinâmicas e atividades para esse povo humilde e abandonado, ouvindo suas histórias, fui testemunha de uma linda integração do grupo através da alegria e da esperança. Cada vez mais motivada, busquei informações sobre saúde, legislação, aliada a uma equipe que se formou, pois esse tipo de trabalho não se faz sem apoio. A convivência também se dava entre  passeios, aulas de dança e de natação, e ao longo desse processo, estava  assimilando uma  cultura que me emocionava  pela sua simplicidade e honestidade.  E o grupo foi crescendo a cada dia, me trazendo uma realização jamais imaginada, porque de pessoas inicialmente isoladas, ali se manifestava a amizade e a solidariedade entre todos. 


Mais do que um trabalho que ampliou minha visão profissional, aprendi sobre a força do amor e do respeito às lutas alheias; sobre  as almas das pessoas que raramente nos damos ao trabalho de conhecer mais profundamente. Minhas disciplinas nesse curso foram a respeito de alianças, dedicação, persistência, enfrentamento de oposições, criatividade e coragem. Essa experiência ficou marcada para sempre em meus registros, sinalizando, até os dias de hoje, que nosso potencial está sempre pronto para se manifestar, desde que possamos abrir a mente e jogar fora os medos sem sentido. 


domingo, 17 de abril de 2016

Super poderes?

Era um homem aparentemente comum. Ninguém suspeitaria de seus enormes poderes se ele não quisesse, porque sabia se fazer invisível. Havia nascido não mais evoluído espiritualmente do que a maioria da humanidade do planeta Terra, mas com seu equipamento psíquico bem desenvolvido. De idade madura, adquirira cultura invejável e uma consciência que ultrapassava, e muito, os conceitos lineares que dirigem os seres nessa vida. Andava só apenas se desejasse, porque para ele bastava apontar e realizar seus anseios.

Um de seus poderes era o magnetismo. Com intenções claras apenas para si próprio, sabia como atrair e hipnotizar qualquer um, incluindo animais, transmitindo seus desejos, para o bem ou para o mal. Era mestre em  modificar a aparência a seu bel prazer, conforme a situação exigisse. Também enxergava longe, e sua  visão alcançava de forma ampla o momento presente, o passado e o futuro de qualquer um. Suas mãos eram mágicas, e ao tocar pessoas, curava desarmonias no corpo físico, e em outros corpos sutis, que quase ninguém percebe. Além disso, lia pensamentos, transitava pelos mundos paralelos colhendo informações de seu interesse, conversava com espíritos, e se intrometia nos sonhos de quem escolhesse para injetar símbolos, também para o bem ou para o mal.


Porém, seu coração se endureceu ao longo de tantas aventuras poderosas. Não soube administrar o dom mais importante que ele e todos nós temos: a capacidade de amar. Era orgulhoso e prepotente, lá no fundo achando-se melhor e mais importante do que o restante dos seres mortais; a vaidade o deixava ansioso por reconhecimento, buscando ter sempre a última palavra em qualquer situação, ostentando a coroa do rei da verdade, mas com expressão de falsa modéstia; o tédio o assaltava periodicamente, sentia a falta de um sentido em sua vida e ataques de mau humor corroíam seu fígado. Sim, vez por outra ele se entregava a depressões;  tinha pânico de gente sincera, calorosa e afetiva, fugindo de compromissos e confrontos emocionais; e por último, mas não menos importante, tinha o hábito de culpar os outros e o destino pela sua solidão. Levaria muito tempo para esse homem compreender que estamos todos no mesmo barco... saboreando a humanidade.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Do Silêncio




Do Silêncio

De que medo me fala você?
Da imperfeição?
Do olhar que vem de fora?
Da mão que não afaga tua cabeça?

Não, nada disso, falo do medo do silêncio.
Escondido entre pássaros insistentes que cantam nas cidades,
Formando uma orquestra com martelos de obras, roncos de carros,
E burburinhos da multidão.

Nesse caso...
Melhor nada dizer,
Para ser mais um canto onde o silêncio possa se abrigar.