quinta-feira, 4 de julho de 2019

Adote-se!

Janaína colocou sua única mochila ao lado da cama que seria agora sua, no novo emprego, bem distante das suas costumeiras habilidades. Era uma circunstância desafiadora, mas que não deixava escolha, a não ser que preferisse morar com um homem que a tratava feito lixo. Tinha reunido toda a coragem necessária para ir embora. Não seria a primeira nem a última mulher a pegar um ônibus na rodoviária para uma cidade bem longe, onde uma velha amiga a abrigaria. Em troca de serviços domésticos, no lugar da secretária executiva, ali estava nova oportunidade para se transformar em outra pessoa. Ainda não sabia bem o que seria isso, e agora, já sentada na cama de seu novo quartinho, ouviu uma voz: "Adote-se".
Não havia dúvida, ela ouvira a voz. Acostumada com os mistérios da vida, nada mais a surpreendia. Também tinha aprendido a duras penas que não se ignora coisas desse tipo. Ousou olhar para cima, como se houvesse alguém invisível naquele espaço, e perguntou:
-"Como se faz isso?"
- "Primeiro de tudo, sorria, porque você está salva. Lembre-se que tudo nessa vida é provisório. A mudança aconteceu, você está inteira, e pode olhar para o novo de várias maneiras. Escolha a sua. Depois, o pulo do gato: seja sua filha.
- "Oi?"
-  "Dê a você o que daria a uma criança sob sua responsabilidade. Nesse momento, você é a sua filha, e tem necessidades para serem descobertas. Tudo é estranho, certo? Menos o amor que te move. Então, o que é adequado agora para essa menina que vai crescer com a sua ajuda?"
- "Nossa, se eu tivesse adotado uma garotinha tentaria dar a ela um lar, cuidados, respeitaria seus limites, ensinaria como não pisar em lugares perigosos, não economizaria abraços e beijos, mas também limites quando necessários. Trataria de fazê-la de bem com a vida e consigo mesma, enfrentando desafios e crescendo com isso, sempre do lado do bem. E daria a ela valores e significados que fossem direções para realizações em vários níveis. Eu a amaria do jeito que ela fosse..."
- É isso. Adote-se!
Janaína abriu a mochila, tirou dela tudo que encontrou para aplacar o frio, e preparou-se para deitar na nova cama. Vibrava com a certeza da chegada de um novo dia, de novas experiências, e mantendo sim, a visão cor-de-rosa, que na verdade deveria ser verde, a cor da esperança.
E ao adormecer, pareceu ouvir mais uma vez: -"Adote-se!".