quarta-feira, 19 de junho de 2019

Amiga Querida


AMIGA QUERIDA,
Há tempos não trocamos confidências, mas queria te contar que tenho tentado  resgatar um pouco do tempo em que eu fui uma  garotinha, aquela que vejo nas fotos do meu álbum de vez em quando. E me ocorreu te perguntar se você tem um quarto de bagunça. Está rindo, quer saber de onde tirei essa ideia agora? Vou te dizer. Fala-se tanto em criança interior, que seu significado até já perdeu a força, você não acha? Uma pena! Ainda bem que as imagens sobre esse tema têm me chegado à mente. Sabe, outro dia ri sozinha quando me dei conta, de corpo e alma, que sou ainda a mesma essência. Explico. Ainda tenho infinitas possibilidades de expressões, mesmo com tantas modificações físicas, emocionais, mentais, espirituais; durante todo o trajeto de experiências e relacionamentos, os mais diversos,  aprendi inúmeras coisas novas, e olha só, amiga, eu ainda me reconheço, pelos territórios de lembranças que percorro, com traços que não mudaram muito. E quer saber? Hoje, distante de crises inerentes à mocidade, são lembranças até gostosas e engraçadas, pois minha visão é outra.
 E aí vi que criei um quarto de bagunça, que carinhosamente chamo de estúdio, onde pretendo um dia, quem sabe, colocar um letreiro na parede: “Agora pode!”. Quis compartilhar com você, talvez para te ouvir contando novamente suas próprias histórias, como fazíamos na bagunça de nossos corações, antigamente. Adoraria repetir o lustre cor de rosa, na forma de estrela, que tive um dia no meu quarto, e que eu amava tanto; creio que não dá mais tempo de providenciar um piano e aprender a tocá-lo, como aquele  que trazia mamãe para perto de mim, no meu quarto, quando eu cantarolava  e assobiava músicas clássicas que ela tocava lindamente ali. Tudo isso agora se resume a visitas pelos corredores da memória quando bate a saudade. Faz parte da vida, e acho lindo poder ir lá de vez em quando, acionando algum interruptor entre meus brinquedos internos. Mas no meu estúdio tem música, porque sons e ritmos são mágicos, e não passo sem eles. Isso sem falar de todos os objetos que me refletem: livros, aparelhinhos nossos de cada dia, escrivaninha, lápis de cor para colorir mandalas, papeizinhos e lembretes pelas paredes, objetos que acho fofos, cristais, incensos, e até um pequeno quadro verde com giz e apagador, para estudar como fazíamos tempos atrás, lembra? Vejo que formei cantinhos, alguns práticos, outros enfeitados, e acho o local bem simpático. É nesse meu estúdio que faço minha ginástica energética (uma mistura de exercícios físicos que fui aprendendo pela vida), canto, assobio, vejo meus filmes, escrevo, e alimento a garotinha que mora ali.
Nesse mundo de escolhas, onde algumas andaram meio esquecidas, é verdade, percebo que já domino a vozinha crítica que havia absorvido e tornado minha. E amiga, vou te contar um segredo: estou me livrando dela! Já posso errar e dar uma boa risada depois, e se te escrevo agora, é porque sinto falta de você rindo comigo, para através do som dessas risadas comemorarmos nossas vitórias por essa vida.
Responda, ok? Conte-me sobre sua garotinha, vou adorar saber.

2 comentários:

  1. :D Acho deliciosa essa sua habilidade de conseguir nos transportar para o espaço-tempo do cenário traçado de acordo com o desenrolar das palavras, como se a palavra fosse lápis em movimento a desenhar em nossa imaginação os detalhes de uma pintura "animada". E o mais cativante é que o efeito dessa "varinha de condão" não se prende às suas lembranças mas se estende e se mistura às minhas próprias, como se estivesse descrevendo algo ou que eu tive/tenho ou que gostaria de ter tido ... Esse "quarto da bagunça" é meu! ;D

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  2. Acho que esse quarto da bagunça é de todos nós. Obrigada por suas palavras, fico feliz com elas.

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