quarta-feira, 17 de agosto de 2016

A Casa.

Era uma casa grande, e de longe, parecia um sonho. Árvores coloridas com flores rosadas, uma varandinha, salão, quartos grandes, e nos fundos um pátio imenso cheio de coqueiros, mangueiras e frutinhas vermelhas. Os cães poderiam fazer a festa, e a falta de forro no teto parecia romântica. Preço ótimo, nenhuma complicação para alugá-la, e um contrato que ficou pendente. Espaço não faltava, e Lúcia não se deu conta do pesadelo que se iniciava.
As manhãs eram fantásticas. Abrir a porta para a natureza não tinha preço. Apesar da areia que não tinha escrúpulos em invadir a casa, olhar para árvores, ver a alegria dos cães correndo, se sentir numa casa de campo em plena cidade era o máximo, Nem quando a caixa de gordura entupiu e entrou o lixo na casa Lúcia desanimou. Fazia parte, pensou. E nem quando os cocos começaram a cair e ninguém queria subir nos coqueiros, tornando o pátio perigoso, ela desistiu. Estava trabalhando sua persistência, dizia para si mesma. Não estava disposta a se desapegar de suas fantasias, pois tinha planos mirabolantes para aquele lugar. Não estava sozinha, era ela e Deus, ela na frente, claro!
Alguns amigos, que conheciam bem o local, mas nem cogitavam em ajudá-la, avisaram ser a casa mal assombrada. Foi somente quando um galão de água novinho, recém colocado, secou em meia hora, sem deixar uma gota sequer para contar a história. que a pulga se manifestou atrás da orelha de Lúcia. Sons estranhos se misturavam às noites, enquanto insetos e outros pequenos e grandes hóspedes passeavam pelas paredes e redondezas. De nada adiantavam os mais modernos venenos. Dormir bem? Não sabia mais o que era isso. Mesmo assim, apego é apego, parente próximo da teimosia. Dias maravilhosos e noites de terror? Ninguém merece! Desculpe, tem gente que acha que merece.
Mas, como sonhos não duram para sempre, um belo dia a proprietária, uma senhora autoritária e sem noção, apareceu para comunicar que iria construir nos fundos um prédio para os familiares e suas crianças. Lúcia engoliu em seco.Não, isso era demais! Ela vinha acompanhada de um operário contratado, cujo primeiro serviço seria tirar todas as telhas da casa exatamente naquele momento, o que significava que ela deveria ir embora imediatamente. Como assim? Agora? Discussões sobre direitos à parte, nada havia a fazer. ou melhor, muito a fazer: empacotar, procurar outro lugar, ai! dá até canseira escrever.
Só que a vida tem dessas coisas mesmo. Manda mensagens, puxa nossas orelhas, mas a gente nem liga. Damos um monte de desculpas, nos enchemos de culpas, e fazemos qualquer coisa pra não sair da zona de conforto, mesmo que o caminho seja muito mais espinhento do jeito que está. Aí, a vida, muito mais sábia que nós, dá um basta. Felizmente, deu o clique em Lucia, que até andava ansiosa pelo tal contrato pendente, e caiu a ficha. Respirou aliviada, e saiu em busca de um novo canto para morar. Feliz, cantando...pra não chorar, com dois cachorros também felizes, porque achavam estar passeando. Que passeio o que, quem já se mudou dessa maneira que o diga!
Se achou um apartamento? Sim! Tinha que achar! Mudou-se para um segundo andar, todo telado, e com uma área razoável para cachorros de apartamento, aqueles que ficam grudados na janela latindo para todos que passam. Enquanto abria as caixas da mudança, resolveu ouvir música, e, adivinhem o que escutou! Isso mesmo: "Eu quero uma casa no campo...". Brincadeira de mau gosto, né?
 Ah, quantas vezes nos distraímos com fantasias e devaneios, perdemos o rumo, e só muito mais tarde vamos poder dar gargalhadas das encrencas em que nos metemos. Mas, felizmente, a vida ri conosco, Ela está sempre nos sugerindo que façamos um retorno quando ele é necessário, e que marquemos no caderninho interno mais uma lição. E como a estrelinha e as anotações que as professoras costumavam colocar em nossos deveres bem feitos, ela ainda deixa um registro: "Presta mais atenção!".

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