sábado, 31 de outubro de 2015

Ler, um ato de amor

“O que a literatura faz é o mesmo que acender um fósforo no campo no meio da noite. Um fósforo não ilumina quase nada, mas nos permite ver quanta escuridão existe ao redor.”
William Faulkner.
Um dos grandes tesouros nessa vida é a possibilidade da gente se encantar com bons livros. Como se estivéssemos recebendo uma visita querida em nossa casa, acendemos as luzes, e nos posicionamos para compartilhar experiências. Da mesma forma, abrimos nossos canais de recepção para ler, ouvir, sentir, imaginar aquilo que o escritor nos transmite. Chamo a isso ler com a alma. Uma pessoa muito querida chamava de  “transportadoras” as leituras que nos emocionam, nos fazem refletir, muitas vezes ocasionando mudanças importantes em nossa visão, ou confirmando maneiras de se experimentar as vivências que temos. Muitas vezes elas complementam ideias que foram já plantadas, ou mesmo tiram o véu que as encobria, nos levando a criar e a agir com novos estilos. Trocam o canal da consciência, trazem outra sintonia. Com as novas possibilidades da informática, carregar nossa biblioteca na bolsa é bem mais tranquilo. Existem livros perfeitos para se esperar nas filas e nos consultórios; há outros para nos largarmos no sofá, ao som do silêncio. E quando estamos mais introspectivos, cheios de perguntas, podemos escolher os estudos que nos apaixonam. Todos nós precisamos também de momentos leves, sem compromisso, regados por risadas e bom humor. E ainda há aqueles que despertam a admiração pelas palavras bem colocadas. E há os  que contam histórias interessantes. A lista é infinita. Há os de cabeceira, que nos acompanham, dos quais sentimos saudade quando nos afastamos. E os que emprestamos e não voltaram. De repente, ficaram por onde poderiam ser mais úteis. E os que abrimos para retirar mensagens, simplesmente pelo prazer da companhia dos que consideramos sábios para aquele momento? O que dizer dos que falam conosco, que parecem ter sido escritos para nossos momentos mais íntimos? Quem ainda não foi “atropelado” por um livro que parecia estar a nossa espera?.
Algumas pessoas acreditam que não podemos passar para outro livro antes de finalizarmos o anterior. Não vejo assim. Os interesses a cada momento podem variar, e com isso novas necessidades surgem, outros assuntos nos atraem. São outros visitantes batendo à porta para novas conversas. Mais adiante, podemos retornar e prosseguir no bom papo que estávamos batendo antes, e, se for o caso, estender a troca mais profundamente, por horas a fio. Por que não? Nós, humanos, temos almas caprichosas, que abrigam crianças aventureiras e curiosas, vestidas de adultos. Querem conhecer mais sobre como a vida se expressa através de gente como elas, que sonham, imaginam, pesquisam e apresentam suas conclusões ao mundo.
Feliz daquele que se deixa envolver amorosamente pela arte exposta nos livros, pertencendo a um grupo que viaja a mundos incríveis transportado pela consciência.


quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Atalhos


Não há atalhos para o desenvolvimento pessoal, para a evolução da personalidade que visa formar o caráter, porque a consciência tem seu próprio ritmo. Algumas perguntas básicas podem ser feitas ao longo do caminho, ao primeiro sintoma de mal estar, como “para onde estou indo?”.  Sinais são dados o tempo todo, mas o trabalho de unir os pontos é nosso. Se nos enganamos e afastamos de nós o sentimento cômodo de vítima, há como conquistar um novo equilíbrio, tentando outra vez, avaliando as metas, e adaptando o mapa existencial à própria vista. De novo, e quantas vezes forem necessárias, talvez de outra maneira, ou com mais atenção aos passos em falso. Nada de culpas, talvez reparações, compensações, porque falhar faz parte da aprendizagem.
O inocente ainda não sabe, mas tem o caminho da sabedoria pela frente, se desejar trilhá-lo. Já o ingênuo talvez seja um orgulhoso disfarçado  teimando  em manter aquilo que se provou nocivo. Percorre o caminho da reclamação enquanto se infla com ares de superioridade ou especialidade, e se opõe às leis universais. Quando tropeça, lança no primeiro que enxerga a responsabilidade.
Sistemas de crenças  são a matéria prima para um roteiro de vida, onde definições, a cada momento, determinam escolhas; técnicas só têm utilidade diante de um mapa claro. Nunca é demais repetir que olhar para dentro de si mesmo é o passo inicial para recolhermos projeções que andamos atirando por aí, e reintegrarmos as forças que estavam adormecidas â sombra do comodismo. Afinal, não passam de ilusões, de um roubo de si mesmo, que inclui a coragem para encarar lições e desafios.

Superação, determinação e persistência, ou citando Paulo Vanzollini, “Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima”!

domingo, 18 de outubro de 2015

Sobre a inveja

Invejar é desejar ter aquilo que vemos no outro, ao nosso redor, e que não parece nos pertencer. Tem mão dupla, porque podemos ser alvo do desejo alheio, nos deixando exaustos depois de um contato desse tipo.  Às vezes nos empolgamos, buscando afinidades em outros, e seguimos em frente sem qualquer cautela ou reflexão, ignorando a intuição que grita: “inveja à vista!”. Surge o “imprevisível”, e a alegria original dos encontros perde seu equilíbrio. Já que a inveja pode manifestar-se em comentários desagradáveis, críticos, cheios de competição, que servem para desvalorizar e desqualificar o que não se possui, energeticamente traz uma sensação de mal estar, desarmonia, que por ser difícil de suportar é facilmente projetada para fora, como num espelho. Quem inveja, dificilmente assume o que sente, e quem é invejado nem sempre percebe que está sendo sugado. É uma das faces do orgulho.
Conheci uma moça assim, nos tempos de colégio. Tinha uma armadura facial, como se estivesse bufando, nunca sorria, não compartilhava nada, e parecia zangada com a vida. Seu olhar era duro, e parecia devorar tudo o que os colegas possuíam em suas carteiras, quando não suas maneiras descontraídas, alegres. Por trás da carranca devia haver muito medo, um vazio enorme e pouquíssimo sentimento de merecimento. Talvez procurasse convencer a si mesma e aos outros de suas capacidades, gastando suas energias para manter essa couraça, e humilhando quem dela se aproximasse. E assim ia conquistando seu espaço, tentando dominar os que se impressionavam com suas demonstrações falsas de superioridade. Os menos carentes, instintivamente, evitavam o contato.
Podemos pensar que a inveja não nos define nem apaga todas as coisas legais que temos em nós. Sentir inveja não é o problema, mas a maneira como reagimos a ela, isso sim. Poderíamos simplesmente admirar e fazer um esforço para alcançar o que é tão desejado, mas nem sempre somos tão nobres, e muitas vezes nos  escondemos sob uma capa de falsa gentileza, ou embarcamos nas aspirações alheias, abrindo as portas da manipulação. É uma questão de sintonia e afinidade com esse tipo de vibração, partindo a inveja de nós ou do outro. Conscientemente ou não, as ações passam a ser movidas por interesse. As próprias trajetórias, conquistas e superações são desvalorizadas. Nesse tipo de manifestação, a luz da consciência, verdadeira proteção contra a negatividade, se apaga.

Estudar nosso lado sombrio dá trabalho, mas é assim que deixamos entrar a luz no caminho. Tranquilizar a inveja que nos ronda é fundamental para a superação das nossas dificuldades. Afinal, não somos perfeitos, nem quem nos cerca é. Inversamente, ao nos valorizarmos, aprendemos a irradiar nossa fartura com sabedoria.  Entendemos mais profundamente sobre nossos limites e possibilidades, abandonando o orgulho e os melindres, e enxergamos as escolhas que foram feitas a cada momento de nossas vidas. Quando as honramos, criamos oportunidades para maior desenvolvimento. Expansão e evolução exigem meditação, discernimento, e principalmente responsabilidade, sem finais de ciclos bruscos como se fossem  produtos de um destino ingrato. Ao compreendermos nossa inveja, abrimos caminho para a aceitação desse sentimento nos outros também.  Passamos a ter a certeza de que nada de verdadeiro valor pode ser roubado,  e compartilhamos, sem resistências, aquilo que temos com quem sabe integrar as diferenças como belas coisas que a vida oferece. Se pensarmos bem, em nossos relacionamentos, não há o que comparar, o que julgar, o que criticar. Nenhum de nós tem a torta inteira só para si, nem está apto a contar sobre a grande verdade.