quinta-feira, 11 de junho de 2015

Acorda, Amelinha!

Triste, mas compreendendo
De bem com a solidão,
Sem fissuras, sem doidices.

Amo doendo
Porque não é para mim aquele olhar que brilha,
E não é meu o desejo do coração que vejo se abrir.

Sem ressentimento,
Acho apenas que estou na trilha errada,
E...
Não sei como sair.



Amelinha era uma especialista na cozinha, casa sempre limpa e arrumada, e além do seu trabalho como funcionária pública, lidava com a tábua de passar roupa como ninguém. Conseguia tempo para manter as roupas de seu marido limpas e passadas, jantarzinho na mesa, e mesmo quando era pega por gripes ou enxaquecas, nada a impedia de cumprir suas tarefas. Seus estudos? Parados. Não havia tempo, pois as necessidades de seu companheiro eram prioridade.  Quando, eventualmente, o casal saía à noite, Amelinha se transformava, tudo para agradar, com direito ao nariz empinado que ostentam as mulheres confiantes de terem uma propriedade: seu marido. Diria até que se tornava um pouco antipática, apesar de seu olhar, lá no fundo, expressar uma pontinha de medo. Isso mesmo: medo.
Eram já os sinais do teatro se desmoronando. No quarto do casal, a história era outra. As discussões eram para quem quisesse ouvir, com choros e portas batendo. Mas, pela manhã, tudo era recomposto, o cenário da mesa posta, e a preocupação de Amelinha de fazer o que o marido gostava. Este, sempre de cara fechada, parecia o gigante dos contos infantis ao se aproximar das amigas da esposa. Ela se recolhia imediatamente, e o medo, aí sim, transparecia em suas feições, apesar de todas as tentativas de disfarce.
Amelinha parecia cada vez mais abatida, e as amigas percebiam as marcas do choro, mas ela não abria o jogo, persistindo nos agrados cada vez mais exigentes, e...caindo no vazio. O gigante estava visivelmente insatisfeito. Quando Amelinha viajava, festas e namoradas, sem qualquer constrangimento. E na volta, as acusações de abandono eram jogadas nela sem escrúpulos.
Um dia a casa caiu. Gritos, sussurros, choros, e Amelinha se foi, contra a vontade, convidada a se retirar, e lá dentro do táxi, em meio a malas e caixas, só se percebiam lágrimas, e mais lágrimas, e mais lágrimas. O choque era o fruto da cegueira, daquilo que é óbvio para quem assiste do lado de fora.
Algumas horas depois já se podia ver o gigante sorridente, ao lado de sua nova companheira, que, também vinda num táxi, trazia sua bagagem para a nova vida que a aguardava.
Amelinha viveu a noite negra de sua alma, até poder despertar. Usou de todo o controle que andava por trilhas equivocadas, não perdeu as esperanças por um bom tempo, tentou se aproximar, e também se enganar a todo custo sobre a má fé que sentiu na pele. Sofria daquela doença que nos ataca quando não queremos abrir os olhos, vendo lá no fundo da imaginação aquilo que gostaríamos que fosse real. Só que não era nada disso, pois o casal novo estava visivelmente apaixonado, com bitocas amorosas e denguinhos próprios desse estado de espírito.
Tudo tem seu tempo e um dia Amelinha saiu do quarto onde estivera fechada, lavou o rosto, tomou um banho de loja, motorizou-se, e foi viver a vida. Uns dizem que abriu um restaurante, outros que voltou a estudar e sai com seu carrinho por aí. Mas um passarinho me contou que na hora de dormir, chora até o dia raiar. Não, não é saudade, é a dor de se querer quem não quer a gente, talvez falta de perdão a si mesmo, ou uma espécie de birra que a gente faz quando tem que deixar ir o que já não faz mais parte do nosso script.
Ei, Amelinha, acorda! Essa novela já acabou!


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